Era uma vez um escultor, E com ele uma condição: era cego. O mais incrível, porém, era seu sucesso.
Ele não havia nascido assim. O sucesso veio depois. Quanto à cegueira, foi acometido na infância.
Fascinado pela forma como percebia o mundo, ele decidiu criar. Retas, curvas, formas e vazios eram parte de suas obras. Mas, sem dúvidas, seu aspecto favorito eram as texturas: da aspereza do concreto, à uniformidade do vidro, ao frio do metal, ao conforto do tecido. Pessoas, prédios, coisas, eram seus assuntos.
Quanto aos críticos, regozijavam-se com suas obras. "Experiências únicas que levam o interlocutor a vislumbrar dimensões espectrais", diziam. Ele, por outro lado, nunca as lia.
Na verdade, depois de um tempo, acabou mudo. Uma vez, um amigo comentou com ele de forma empolgada que, ao fechar os olhos, conseguia enxergar as verdadeiras formas emergindo do escuro através das texturas que seu tato sentia. Não, não era isso. Ele já havia enxergado antes; a ideia não era emergir formas do escuro, porque não havia escuro. A cegueira é o vazio. As texturas que preenchem o vazio são completas por si só. Não precisam que se imagine luz refletindo para formar algo. Que diferença faz explicar? Ele não vai entender. Ninguém vai entender.
Não bastando ser incapaz de visualizar, ele se percebeu um ser humano impossível de ser compreendido. E, portanto, era loucura falar em um mundo de surdos.
Num dia típico de paternidade, reprimi meu filho sobre a cama bagunçada - Mas papai, pra que arrumar se a noite vou deitar e bagunçar tudo denovo? Essas certezas da juventude... Ele fala com o sorriso de quem revela algo óbvio, o tipo de solução que as crianças acreditam ser incapaz de ser vista pelos olhos cansados dos adultos, e ironicamente as vezes estão certos. Mas como explicar pra ele que o que importa não é como você encontra ou deixa algo, mas o meio? Não a forma como uma planta brota, ou seca, mas a beleza como ela atinge sua forma média? E que nesse meio tempo, é necessário combater o caos com a ordem, do contrário somos devorados por ele e nos tornamos seus reféns? Mesmo que explicasse com diversas fábulas e analogias palpáveis pra mente infantil, ainda não é o momento dele. Talvez ele só entenda a importância do meio, quando eu encontrar meu fim.